Ano passado fiz uma viagem só eu e minha filha e me deparei com o espanto. O que mais ouvi foi: “São só vocês dois?” “A mãe está vindo?” “Vocês estão esperando a mãe?”. Só que eu não deveria me espantar. Segundo a Data Popular, 20 milhões de mães são mães solo e 5,5 milhões de crianças sequer tem o nome do pai no documento.
E, claro, a Natura sabe disso. Escolheu esse ano Thammy Miranda, pai transgênero, como um dos influenciadores da campanha de Dia dos Pais. Não será campanha de TV, muito menos terá fotos especiais. Ele faz parte de um time que conta com Rafael Zulu e Babu Santana. Este time postará apenas em seus perfis pessoais.
E a Natura não é inovadora. Em 2015, a Boticário fez campanha do Dia dos Namorados com casais gays. Já em 2017, fez uma campanha do Dia dos Pais com um pais trans. Logo, já há um bom estudo de caso, uma ação e reação. Portanto, Thammy Miranda nunca foi um problema, é a solução.
A campanha, antes mesmo do início, está bem amarrada. Influenciadores já estavam em prontidão relacionando o pai presente que Thammy é com o abandono parental aqui no país. Felipe Neto, Gabriela Prioli e Cléo Pires foram alguns que se posicionaram. O buzz cria laço com as mães e, principalmente com o público LGBT+.
Na TV, o comercial está no ar e não conta com Thammy, apesar de muitos acharem que sim. Vale sempre pesquisar!
Rápida valorização na Bolsa
Nesta quarta-feira, as ações da Natura subiram 6,73%, e encerram na liderança do Ibovespa, cotadas a 47,09 reais. A forte valorização ocorreu pouco após o ator Thammy Miranda publicar um vídeo com seu filho como parte da campanha #meupaipresente da Natura. Embora a campanha tenha sofrido ataques de ódio por parte da sociedade, incomodada com a imagem de um pai trans, a reação no mercado financeiro foi outra.
A balança do público alvo
Três anos da campanha do Boticário para cá dão margem para um estudo aprofundado se é prejudicial uma perda de consumo de “homens homofóbicos” e o ganho de faturamento com o público LGBT+ e feminino. E a Natura quis fazer algo mais silencioso, sem Thammy em nenhum canal oficial da marca.
De um lado, segundo dados da pesquisa Usage Care Kantar Worldpanel, 31% dos gastos com produtos HPPC (higiene pessoal, perfumaria e cosméticos) são feitos por homens, sem distinguir orientação sexual ou pensamento sobre o assunto. Mas é um mercado que praticamente dobrou nos últimos 10 anos.
De outro lado, segundo a Nielsen, as mulheres são responsáveis pelas compras em 96% dos lares. E elas também possuem grande influência no consumo de outras pessoas, uma vez que 85% delas indicam produtos para amigos e familiares.
As mulheres também são mais fiéis e criteriosas com as marcas. Há um bom livro para isso: “Why She Buys”, da consultora americana Bridget Brennan. O que se destaca na obra é que a mulher escolhe os legumes do almoço, a roupa dos filhos e o presente que o marido precisa dar para o chefe. Uma mulher carregada de sacolas pode estar abastecendo muitas pessoas.
Encerrando o arco, temos o pink money, nome dado ao poder de compra pelo público LGBT+. Na pesquisa da Out Leadership, o consumo LGBT movimenta mais de 3 trilhões de dólares por ano. No Brasil, a movimentação anual é de 420 bilhões de reais, o que a LGBT Capital calculou como um gasto superior de 30% em relação ao público heterossexual.
Difícil saber onde há oportunismo, oportunidade ou defesa de causa. Afinal, a cada 20 horas um membro da comunidade LGBT morre no Brasil por conta da LGBTfobia.
Só não dá para ignorar que a campanha é do Dia dos Pais, porém o alvo é totalmente diferente dos homens.