Após o boicote de mais de 160 empresas contra o Facebook, Mark Zuckerberg sentiu o golpe e cedeu à pressão. Agora a corrida contra o tempo prevê a retomada dos anunciantes.
De acordo com o banco de dados e plataforma de inteligência Pathmatics, só o grupo Unilever é responsável por US$42 milhões anuais em anúncios. A empresa prometeu continuar o boicote até o final de 2020.
O que o Facebook fez
Como o discurso de ódio pode ser vago, destaco os dois principais problemas: racismo e o uso das redes sociais para disseminação de fake news (a eleição nos EUA será em 3 de novembro). Em comunicado oficial, o Facebook afirma que a auditoria será terceirizada:
“Investimos bilhões de dólares todos os anos para manter nossa comunidade segura e trabalhamos continuamente com especialistas da sociedade civil para revisar e atualizar nossas políticas. Nos abrimos para uma auditoria de direitos civis e banimos 250 organizações supremacistas brancas do Facebook e Instagram”.
Com a imagem de Zuckerberg desgastada, coube a Guy Rosen (foto), vice presidente de Integridade do Facebook, declarar que vem aprimorando os trabalhos em torno da filtragem e que a empresa é signatária do Código de Conduta da Comissão Europeia, criada para combater o discurso de ódio online ilegal.
A quinta edição do relatório da Comissão, de fato, traz números que mostram o comprometimento da rede social: o Facebook revisou 95,7% e o Instagram avaliou 91,8% das denúncias de conteúdos com discurso de ódio em menos de 24 horas. Para tornar o debate mais preciso, o YouTube avaliou 81,5% e o Twitter, apenas 76,6%.
Além disso, o Facebook anunciou que passará por uma auditoria externa para a moderação de seus sistemas de revisão de conteúdo.
Pela primeira vez, Mark Zuckerberg se sente acuado o bastante para mudar seu discurso de liberdade de expressão dentro da plataforma.
Fortalecimento do jornalismo
O Facebook também anunciou que irá destacar conteúdos jornalísticos para o público. A disseminação de fake news teve papel importante nas eleições dos EUA, estratégia repetida aqui no Brasil com a contratação dos mesmos profissionais da campanha de Trump.
Independentemente da posição ideológica da imprensa, o jornalismo é uma arma indispensável nessa guerra. Afinal, esses meios possuem limites e não os ultrapassam.
O mais engraçado é que meios de comunicação sofrem represálias do Governo e são odiados pelos seus respectivos militantes. Durante os anos do PT, os alvos eram a Globo e Veja. Já Bolsonaro, troca a Veja pela Folha. Isto facilita o caminho para as notícias falsas. Um estudo do MIT aponta que a chance de encaminhar uma fake news é 70% maior do que uma notícia real.
Zuckerberg e Trump nas eleições
Se hoje Mark Zuckerberg tenta se manter isento, em 2015 a situação era bem diferente. O Washington Post verificou seus artigos e relatórios e notou quando o ainda candidato Trump postou um vídeo pedindo a proibição do ingresso de muçulmanos nos Estados Unidos.
Executivos do Facebook não quiseram excluí-lo, criando uma exceção para o discurso político. Porém, Zuckerberg foi a favor da exclusão, dizendo não concordar com esta linguagem na sua rede social. A decisão foi uma guerra ideológica interna de favoráveis aos democratas contra os republicanos.
Ainda há quem associe o Facebook à esquerda e tente vitimizar o presidente. Mas as concessões feitas a Trump transformaram a rede social em arma nas eleições em todo o mundo. Na pandemia, essa permissividade se agravou com o público tendo dificuldade para compreender os discursos dos seus governantes máximos.
Após dar uma declaração de que uma injeção de desinfetante seria eficiente no combate ao coronavírus, só a cidade de Nova Iorque teve 30 chamados nos hospitais por ingestão do material de limpeza.
Para ficar claro, a esquerda também fez algo parecido com Nicolás Maduro sugerindo um chá com ervas para combater a doença.
Frase de Bolsonaro e demissão de engenheiro
O Brasil também está no meio de tudo. Uma frase publicada pelo presidente Jair Bolsonaro foi a gota d’água para o pedido de demissão do engenheiro de segurança do Facebook, David Thiel:
“Não há dúvida de que os índios estão mudando. Cada vez mais estão se tornando seres humanos como nós”.
Ele afirmou internamente que isto violava as diretrizes internas da companhia contra o discurso desumanizante e é o primeiro passo para a incitação à violência. Funcionários afirmam que Thiel saiu enojado.
Organizações e marcas querem mais
Nos EUA, há a Liga Anti-Difamação, organizações e entidades ligadas aos direitos civis e protestos como Stop Hate for Profit. E, para eles, a auditoria é insuficiente e pedem também que a rede social tenha mais moderação humana. Já as marcas querem garantias de que seus anúncios não apareçam vinculados a conteúdos ofensivos. Hoje, por exemplo, um vídeo racista pode ter um anúncio da Coca Cola antes de ser revisado.
E para onde vai o dinheiro das marcas?
Outras redes sociais viram com bons olhos esta guerra contra o Facebook. A Coca Cola irá redirecionar a verba de anúncios para Pinterest, Tik Tok e Google. A North Face também adota medida parecida, porém sem o Tik Tok.
Algumas marcas ainda querem avaliar melhor se há impacto em suas receitas e entendem que o boicote será temporário, sem necessidade de reinvestir esse dinheiro.
jean gomes
Pra variar, penso na contramão do “consenso”…
Dessa vez, Zuckerberg estava certo! Pena ter que ceder a pressão.
Essa onda toda por uma censura nas redes sociais – Facebook, Instagram, watts… – põe em risco os ganhos que a internet trouxe. Essas empresas, que no oba-oba do politicamente correto pressionam o conglomerado comandado por Zuckerberg, imaginam, na prática, exatamente o que?!
Sim, o discurso é bonito, mas como se dará isso? Querem uma análise prévia, um filtro do que pode ou não ser publicado?! Quem fará essa curadoria? Sob quais diretrizes? Qual será a régua?
Então, quem ousar destoar do pseudo consenso vigente será sumariamente glosado? Ora, o conhecimento humano não avança justamente pela dinâmica da dialética? Quantos novos Galileus, à exemplo do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição), vamos calar?
A bem da verdade, essa censura até já vem acontecendo… Amigos próximos, de forma cada vez mais frequente, relatam a retirada de posts que o “robozinho” entendeu como inadequado. Aconteceu tempos atrás em relação a questão ambiental – censurando quem argumentou que as queimadas na Amazonia eram naturais e acontecem há décadas – Da mesma forma, lembro da indignação de um pesquisador brasileiro censurado ao questionar a veracidade do famigerado “efeito estufa”. E, mais recentemente, diversos amigos foram glosados ao discordarem da eficácia do lockdown no combate a pandemia…
A questão não é quem está certo, mas no direito de se posicionar de forma contrária. Se alguém quer gritar ao mundo que a terra é plana ou que o homem não pisou na lua, deixe-o falar! O nome disso é liberdade de expressão.
Só que agora, querem ainda mais vigilância. Dessa vez, o argumento da hora é por um fim ao chamado “discurso do ódio”.
Tudo bem, entendo o contexto desse movimento, mas vale lembrar que as leis já nos salvaguardam do que a sociedade considera crime, quer seja de racismo, homofobia, injúria… E a construção desse ordenamento jurídico se dá através de um processo “democrático”, através de representantes eleitos pela sociedade.
Além disso, as grandes redes sociais são globais e as leis locais. O que é adequado e moralmente aceito, por exemplo, no Brasil, talvez não o seja em outro cantinho do planeta. Da mesma forma, o que é moralmente aprovado vai se modificando à medida que o tempo passa… Basta ver como era a publicidade algumas décadas atrás. Então, qual será o momento de atualizar essa régua? quem o fará?
Vamos delegar esse poder supremo a uma empresa privada?